
Fake News é um fenômeno social não é mentira e também não é fofoca. Sabe a diferença?
Mentira é quando você inventa uma história e conta como se fosse verdade, quando alude um comportamento ou ação a outrem. De acordo com o Michaelis é “1 Ato ou efeito de mentir; cantiga, fraude, pomada; 2 Afirmação que se opõe à verdade; informação enganosa ou controvertida; enredo, moca 3 Costume ou hábito de contar mentiras; 4 Aquilo que dá falsa ideia; 5 O que ilude; 6 Opinião sem fundamento.”
Para Platão há dois os tipos de mentira, uma útil, justificada moralmente, como quando o médico não desacredita o paciente terminal, e outra, a mentira autêntica, condenada e detestada pelos deuses e homens.
Maquiavel também trata da mentira em seu livro “O príncipe”, para ele, a mentira é uma das muitas opções disponíveis para um governador administrar ou conquistar, sem levantar nenhuma questão ética, Maquiavel entende a mentira como mais um instrumento político.
Um exemplo de mentira atual foi o famigerado caso das mamadeiras com bico em formato de pênis. Um vídeo viralizou na internet mostrando esta mamadeira e alegando que estavam sendo distribuídas em escolas e creches de São Paulo, por ordem do PT e do Haddad, e que, para combater isto era necessário votar em Jair Bolsonaro. Além de ser mentira, era um fato nonsense que em situações normais dificilmente encontraria eco. Porém, não só encontrou eco, como serviu de base para muita discussão política na época, simplesmente porque muitas pessoas acreditavam!
Se fossemos analisar o caso da mamadeira erótica pela ótica de Maquiavel, aceitaríamos que na disputa política vale tudo e, colocando a ética para bem longe, poderíamos alegar que foi legítimo usar de mentiras para chegar à presidência e salvar o Brasil do comunismo.
Agora, sob a ótica de Platão, se você tem algum apreço e comprometimento com a ética, república e democracia, você combateria outra visão politica com honra e honestidade, nunca com mentiras. Pautar sua argumentação em mentiras é saber, no íntimo, que você está errado ou sendo motivado por interesses pouco republicanos.
E a fofoca?
Pelo dicionário Michaelis fofoca é definida como “ 1 Ato ou efeito de fofocar; futrica, fuxico, intriga; 2 Comentário desairoso ou maldoso sobre a vida de outrem; bisbilhotice, dito, mexerico; 3 Afirmação ou imputação baseada em suposições; boato, especulação; 4 Cochicho ou comentário em segredo sobre alguém: Já surpreendi as duas mais de uma vez fazendo fofoca sobre o professor.”
Antes que você desmereça a fofoca ou o fofoqueiro, é importante saber que a fofoca foi um importante instrumento para construímos nossa sociedade. Parece dramático, mas a ideia é defendida pelo escritor e historiador Yuval Noah Harari em “Sapiens”.
Yuval afirma que a fofoca foi um dos fatores primordiais para a nossa evolução social, necessária para todas as outras evoluções que a seguiram. “Nossa linguagem singular evoluiu como um meio de partilhar informações sobre o mundo. Mas as informações mais importantes que precisavam ser comunicadas eram sobre humanos, e não sobre leões ou bisões. Nossa linguagem evoluiu como uma forma de fofoca. De acordo com essa teoria, o Homo sapiens é antes de mais nada um animal social. A cooperação social é essencial para a sobrevivência e a reprodução. Não é suficiente que homens e mulheres conheçam o paradeiro de leões e bisões. É muito mais importante para eles saber quem em seu bando odeia quem, quem está dormindo com quem, quem é honesto e quem é trapaceiro”, explica.
A fofoca é responsável por criação de redes de apoio, no livro “O príncipe” Maquiavel orienta que a forma mais rápida de fazer um amigo e criar laços é ter um inimigo em comum, ou seja, fofocar. O fofoqueiro é uma referência para o seu grupo, uma espécie de “influencer”, aquele que sabe de tudo antes, funcionando como referência e conselheiro social para os mais inseguros.
Tudo ótimo, mas não dá para esquecer o lado tóxico da fofoca, movida pela inveja, ou ainda como autoafirmação. Pode até começar com informações reais, mas na medida que percorre o grupo, novas informações vão sendo incorporadas e fatos deixados para trás, bem ao gosto do freguês.
A fofoca também tem grande utilidade na política, é um sinal indicando para onde vão os ventos. Serve para antecipar eventos que coloque em risco a estabilidade de uma pessoa ou um grupo.
Voltando para o caso das mamadeiras eróticas, milhares de pessoas compartilharam os vídeos em suas redes sociais e a cada compartilhamento, um novo fato ou depoimento de veracidade eram acrescentados. De repente, uma mamadeira que nunca foi distribuída, era a grande notícia da mídia, com depoimentos e testemunhos!
E Fake News?
Para entender a Fake News é necessário entender nosso momento atual. Não é mais o fato que determina o rumo do debate, mas a interpretação pessoal de cada um sobre os fatos. Este fenômeno foi denominado como Pós verdade. Não importa mais se o copo está meio cheio ou meio vazio, importa o que eu acho. Se eu vejo o copo meio vazio, então o copo está meio vazio! Não há argumentos que façam eu mudar meu ponto de vista, até mesmo quando vc diz q o copo está meio cheio, apenas serve de reforço positivo para a minha teoria de meio vazio.
Quer um exemplo? Transposição do Rio São Francisco. De um lado, imagens da parte feita da obra, população satisfeita, números e depoimentos indicando um futuro promissor, resoluções e felicidade. Do outro lado, atrasos, pontos da obra que deram problemas, sofrimento da população, impactos negativos.
Em ambos os casos, estão falando a verdade. Sim, a transposição foi feita em alguns trechos e muitas pessoas estão felizes e em outros trechos houve atraso, prejuízos e muitas pessoas estão infelizes. Então o que determina o que é verdade ou o que é notícia? Eu!
Se eu sou contra a transposição irei me municiar com dados que corroborem a minha tese, a decisão do que é verdade foi deliberada antes de eu ter acesso aos fatos. Participarei de grupos com pessoas que também decidiram ser contra a transposição antes de terem acesso às informações e neste ambiente virtual, compartilharemos números e informações que fortalecerão a nossa tese, o mesmo se passa com quem é a favor. Os favoráveis a transposição, também farão parte de grupos e compartilharão informações que atestem sua tese favorável.
E neste movimento de buscar elementos que corroborem com a tese escolhida, diversas informações e dados vão sendo deixados de lado. É neste momento que as pessoas compartilham noticias antigas como se fossem atuais ou depoimentos de pessoas famosas que nunca foram feitos.
A pessoa afirma feliz: O presidente é honesto e vai acabar com a corrupção! Mas faz vistas grossas para doações de campanhas suspeitas, movimentação bancária do assessor Queiroz, até mesmo para depósitos na conta da primeira dama, porque estas informações vão contra a pós verdade escolhida. A racionalidade perde para a emoção.
Nesta sanha de “vencer o debate” e provar que a minha teoria é a melhor interpretação da realidade, algumas pessoas lançam mão de checar a verdade, elas precisam dar voz a indignação que sentem, não importa como.
Uma pessoa que compartilha o vídeo da mamadeira erótica, só acredita porque, antes de ter contato com a notícia, ela já tinha cristalizado uma opinião sobre sexualidade, governo e limites do estado. E esta opinião cristalizada, provavelmente, foi pautada em outras mentiras e fofocas.
O vídeo da mamadeira erótica vai de encontro as suas expectativas, é uma resposta do mundo para o que ela intuía. As Fake News surgem muito mais na crença do que na mentira, no caso das mamadeiras eróticas: “Eu compartilhei porque eu acredito, não importa se aconteceu ou não”
*texto publicado inicialmente na revista “pimenta report”
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